O som do piano vai entrando pelos poros, pelos ouvidos e me encantando
A sala grande, arejada, o piano de meia cauda (ou seria 1/4? )
Eu estou em pé, no meio da sala
É sonho?
Ela no piano, tocando, não sei se nota minha presença
É um espaço – tempo curioso
As janelas abertas, o verde lá fora, o ar fresco
inspiro profundo, expiro suave.
O quadro do tataravô, o sofá de couro fininho, cor de vinho
macio, fresco no tato.
O chão de tábua corrida, alguns tapetes velhos e puídos, farpa.
Farpa, gosto dessa palavra, acho que foi lá que aprendi. Tinha receio de farpas, as que entravam nos pés e as outras…
Ao lado da sala o escritório fechado.
Sempre foi misterioso pra mim
De lá saíam as folhas de calendário que nos davam pra desenhar, eram grandes, quase quadradas, meio grossas
Lembro do lado do calendário, tinha um grande e dois pequenos
Presente, passado, futuro
Hoje as janelas ficam fechadas, os livros se foram as traças engordam
Eu era bem pequena, as mãos gordinhas
Ela tinha 80, as mãos magras, enrugadas
Em cima do piano as 4 mãos e uma corrente
Escorrendo das mãos dela e acolhidas pelas minhas
Uma foto para o registro: elos de uma corrente
Ele alto, magro, bonito
A câmera sempre pendurada no pescoço,
devia ter a minha idade (de hoje)
Nascido em 17 de maio, assim como Satie
Ainda ressoa em mim
(Texto escrito por Rafaela Hermeto, para aula do Travessias Textuais)
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